Texto por: Carlos Alberto Francinelli Junior.
Dentre as várias tendências contemporâneas de caráter questionável que podemos enumerar com pesar, precisamos nos ater com maior afinco àquelas que influenciam diretamente no processo de formação cultural e educacional de nossa juventude, o que, invariavelmente, deságua em duas perguntas cujas respostas valem ouro: qual a educação que queremos? Estamos no caminho certo?
Como profissional atuante nas redes públicas de Educação e de Assistência Social, compreendo perfeitamente que muitos dos problemas absorvidos pela escola vão muito além do que a mesma pode lidar. Para isso existe o trabalho em rede a partir dos encaminhamentos aos serviços de saúde e assistência, igualmente sobrecarregados e mutilados por gestões incompetentes e mal-intencionadas ao longo de décadas, culminando em uma eterna política de “redução de danos” em todos os sentidos. Entretanto, existem alguns aspectos que dificultam ainda mais este processo.
O mercado, entidade metafísica que, ao contrário de Exus e Santos, não parece possuir nenhuma intenção benevolente para com os menos favorecidos, através de seus representantes, evidencia o tempo todo sua insatisfação com a falta de qualificação dos profissionais nos três setores da economia, com a escassez de movimentos de reforço à inovação, com a baixa qualidade na educação básica, com a falta disso, a escassez daquilo, e por aí vai. O mesmo mercado garante o sucesso de ícones midiáticos que reforçam estereótipos de gênero, a cultura do estupro e a desvalorização da educação enquanto processo de transformação social. Temos exemplos novos e antigos.
Desde o Jonathan da “nova geração” que levava “esporro na escola” e só se divertia aos finais de semana até a MC Pipokinha, que diz ter dó dos professores, pois estes estudam muito e ganham pouco, enquanto a mesma ganha 70 mil reais por 30 minutos de sua “apresentação”. Na falta de referências familiares minimamente saudáveis, essas crianças e adolescentes buscam apoio em figuras públicas como as supracitadas, podendo citar também o ex-jogador de futebol Daniel Alves (preso na Espanha acusado de violência sexual) ou a influencer Gabriela Pugliesi, que promoveu festas em 2020, no auge da pandemia de Covid-19, enquanto todas as restrições de isolamento social estavam em vigência. Temos muitos outros casos: Ronaldinho Gaúcho (preso no Paraguai por falsificação documental); Monark (aquele que legitimou a existência de um partido nazista no Brasil); Jair Bolsonaro e seus filhos (nem preciso especificar); e por ai vai. Em relação a seus crimes, erros ou maus exemplos, na maioria dos casos, basta um simples pedido de desculpas destas figuras públicas e pronto! Problema resolvido, pelo menos para eles. Contudo, a mensagem foi passada adiante.
Não há real penalização destas pessoas diante das consequências de seus atos e, grosso modo, por conta da “impunidade à brasileira”, voltam a figurar na pauta pública como se nada tivesse acontecido. Esse fenômeno evidencia a tal da memória curta de nossa sociedade que, por sua vez, já faz parte do arquétipo que define o que é o “cidadão brasileiro médio”. Que o nosso código penal é falho todos sabemos, porém, estamos conseguindo vislumbrar apenas a ponta do iceberg das consequências de anos jogando a sujeira para baixo do tapete, de décadas tolerando pedidos de desculpas. A conta começou a ser cobrada com juros e correção.
Meu ponto não é que haja perfeição por parte de pessoas públicas ou de qualquer ser humano, até porquê, a essência de nossa espécie reside em sua imperfectibilidade. Entretanto, esta análise, que é antes de tudo uma análise moral, precisa ser pautada em graus, pois da mesma forma que não podemos exigir retidão búdica de ninguém, não deveríamos tolerar ou reforçar comportamentos que cruzem a linha não apenas da legalidade, mas também da razoabilidade. E esta falta de senso crítico impulsiona a desvalorização da educação através da falta de interesse dos alunos, da reprodução por parte destes de comportamentos de agressividade e de índices cada vez mais elevados de evasão escolar.
Segundo pesquisa da Unicef em setembro de 2022, 11% das crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos estão fora da escola no Brasil, o que representa aproximadamente 2 milhões de alunos. Este número vem crescendo nos últimos anos. Em minha vivência, tenho lidado diariamente com jovens sem nenhuma perspectiva, que nunca pararam para pensar no que será do amanhã ou na importância da educação para suas vidas. É óbvio que este tipo de reflexão não é o que exatamente devemos esperar de um jovem, mas é justamente por este motivo que precisamos tentar utilizar todos os meios possíveis para que este jovem compreenda em que mundo, país, cidade e realidade está inserido e, mais importante, quais são os caminhos à disposição e como fazer para acessá-los.
O estudante que hoje liga a TV ou acessa qualquer site se depara com notícias sobre corrupção na política, jogadores de futebol com salários astronômicos e envolvidos em escândalos diversos, influencers que propagam fake news ou que não têm muito a dizer, músicas com conteúdo altamente sexualizado e figuras públicas que, com raríssimas exceções, possuem apenas forma e nenhum conteúdo. Quais as atitudes que podemos esperar que nossos alunos tenham em relação à educação baseado nas referências as quais estão sendo expostos?
Este panorama tem se estabelecido de forma cada vez mais sólida nos últimos anos. Isso nos leva às perguntas do início: qual a educação que queremos? A resposta para isso depende. Uns podem querer um modelo baseado no exemplo escandinavo, outros no exemplo japonês, no britânico, ou até mesmo um modelo brasileiro baseado nos ensinamentos dos grandes educadores de nossa história, mas todos com níveis de excelência pedagógica e que estimulem o pensamento crítico, contribuindo assim com a emancipação dos sujeitos e facultando-lhes a possibilidade da transformação de sua realidade. Quanto à segunda pergunta: estamos no caminho certo? A resposta pode ser resumida com um alto, sonoro e singelo “NÃO”.
Sobre o autor: Carlos é psicólogo de formação, especialista em Política e Sociedade, Docência no Ensino Superior, Neuropsicologia e Análise do Comportamento. Atua profissionalmente como psicólogo na Prefeitura Municipal de Maricá (RJ) nas redes de Assistência Social e Educação e exerce as funções de Coordenador do Comitê de Educação e Cultura e de Diretor de Projetos do IEPC – Instituto de Educação, Política e Cidadania. Instagram: @carlos.francinelli